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- Por que "Pokémon" faz tanto sucesso?
1 de out. de 2012
Depois de 17 anos, a franquia de bichos colecionáveis parece mais forte do que nunca. O que torna "Pokémon" um jogo tão popular?
"Pokémon Black & White 2" ja vendeu 2 milhões no Japão. É o maior lançamento do ano por lá
É incontestável que a Nintendo e a Game Freak sabem como administrar
suas franquias, vendo as altas avaliações feitas sobre o novíssivo
"Pokémon Conquest" que ganhou nota 9
no nosso review) e o sucesso que o recente “Pokémon Black & White
2” encontrou no mercado japonês. Foram 2.035.471 unidades vendidas
apenas entre 23 de junho e 1 julho, deste último, contabilizando um dos maiores lançamentos
do ano até agora - o maior no mercado japonês. O sucesso das vendas foi
tão expressivo que, além de dar um impulso de mais de 10,1% nas vendas
do 3DS, ainda atingiu as vendas do aguardado “Persona 4: The Golden”
como um balde de água fria, fazendo as vendas do PS Vita despencarem para apenas 39,4% da semana anterior (de 34 para 13 mil, em números).
Haja visto que isso não foi um episódio isolado. É preciso pôr em
questão este estardalhaço a cada novo “Pokémon” que é lançado. Por que,
afinal, essa franquia tem um lugar tão desejado no panteão dos jogos?
Como uma série, sem acompanhar novos consoles (como fizeram “Mario” e
“Wii Sports”), consegue chegar ao expressivo número de 190 milhões
de vendas em apenas 17 anos? O nosso colega Diego Sato passou um tempo
no Japão e voltou com uma história que ilustra bem o sucesso dos
bichinhos de bolso: é costume do governo japonês pedir à Nintendo que
lance os novos jogos canônicos da série aos sábados, pois a movimentação
rumo às lojas seria muito nociva ao transporte público nos dias de
trabalho. No Japão (e não só lá), “Pokémon” é sinônimo de filas de
espera na frente dos shoppings, pessoas correndo no primeiro minuto de
atendimento e números estelares de ienes indo para os cofres
nintendísticos.
A bagunça no mercado que segue cada novo título revela uma fórmula que
envelheceu bem, apesar de não contar com as tecnologias de ponta. Ainda
que nem todos os jogos secundários encontrem o público apaixonado que
abraçou “Pokémon Green” em 1995, é fato incontestável que a linhagem
nobre da marca nunca deixou de exercer cuidadosamente uma receita para o
sucesso. Do “Pokémon Blue” até o “Black 2” - passando pelo “Yellow”,
que explodiu no Brasil por conta do amado roedor amarelo Pikachu -, três
elementos sempre estiveram presentes e em constante evolução: um
trabalho constante de formação de imagem sobre o universo Pokémon, uma
estética que apela para um público amplo e um sistema de combate sólido,
muito bem estruturado.
O gráfico mostra as vendas, em milhões, de cada "Pokémon" canônico até julho de 2011
Aventuras no universo parelelo
“Pokémon” não é um jogo. Como muitos acadêmicos gostam de definir, a
franquia é um dos melhores exemplos atuais do que se convencionou chamar
de “narrativa transmídia”. Em termos mais fáceis, isso quer dizer que
os autores da saga usam diversos meios de comunicação para construir uma
única história, um único todo. Não é difícil enxergar esse
comportamento em um mundo forrado de pokebolas: no Ocidente, em geral, o
sucesso do anime e do protagonista Ash Ketchum vieram antes do próprio
jogo, já que o processo de tradução de série de TV é normalmente mais
rápido e descomplicado que o de um jogo. Quando “Pokémon Blue & Red”
(as versões não-japonesas de “Green”) finalmente chegaram às lojas, a
maioria dos compradores já estava familiarizada com o conceito “Temos
que pegar!”, bandeira-chefe da franquia. O anime foi, de muitos modos, o
verdadeiro ponto de inseminação de “Pokémon” - o sucesso dos primeiros
jogos foi em grande parte consequência da popularização da série
animada, que levou hordas de jovens ocidentais para as lojas em busca
das aventuras de Ash, Misty e Brock, mesmo que elas não existissem de
fato no videogame original como no seriado.
A transitividade de “Pokémon”, porém, vai bem além da TV. Mesmo sem o
anime e os consequentes filmes de cinema para cimentar o folclore
pokemonesco, a marca espalhou-se rapidamente por cada tipo de meio que
conseguiu encontrar: logo depois dos primeiros jogos, a Nintendo lançou a
primeira linha de jogos de carta ao estilo “Magic: The Gathering”, que
rapidamente se tornou febre entre os amantes de jogos de RPG de mesa.
Mais tarde, os mesmos bichinhos encontraram seu caminho na Internet, com
o lançamento de um site de webgames temáticos (muito bem construído)
que se tornaria o “Pokémon Global Link”
- um dos grandes expoente da jogabilidade transplataforma ainda hoje.
Longe das telas, enredos paralelos aos de Ash Ketchum no formato de
mangás capturaram mais outro público, que preferia ler ao invés de
assistir suas história favoritas; e uma variedade de brinquedos,
decorações e quinquilharias tematizadas fizeram com que a imagem dos
pokémons se tornasse um lugar-comum na cultura pop. Onde a Nintendo não
conseguiu produzir conteúdo, como nas rádios ou jornais, ela
eventualmente apelou para a publicidade; onde não conseguiu colocar
anúncios, ela criou eventos com recompensas tentadoras.
Entre animes, mangás, jogos de cartas e brinquedos, "Pokémon" se instalou na cultura pop
O efeito acumulado desta saga transmídia é claro ainda hoje: não há quem
não saiba, nos grandes mercados, o que é um pokémon (ainda que este
conhecimento se limite a uma imagem do Pikachu). Não é um caso de
lavagem cerebral, mas de produzir material de bom conteúdo em múltiplos
canais de expressão. Apesar de se promoverem mutuamente, a razão pela
qual cada um dos elementos individuais do universo Pokémon funciona é
simples: há uma preocupação real em fazer algo desejável, que respeita a
tradição já imposta pelas histórias anteriores e que se integre às
regras definidas sem estranhamento. Pokémon não é um jogo, é um
infoverso.
Charme, conforto e criatividade
É bem verdade que “Pokémon” foi criado com o público infantil em mente,
lá em 1995. O visual família escolhido pela Game Freak - também
encontrado nas obras da Pixar, veja bem - é certamente um que foge de
tabus, mas não chega a ser infantilizante. O contrário poderia ser dito,
levando em consideração a história da arte pop japonesa: para os
padrões de mangá/anime de sua época, “Pokémon” apelava no Japão para um
público bem mais amplo que garotos de 12 anos.
O design de suas criaturas - coração da série - mostrou-se
majoritariamente inovador, e exigiu do desenhista Ken Sugimori grande
esforço para evitar configurações genéricas ou inexpressivas. Ele já
disse em entrevista, mais de uma vez, que seu objetivo na época foi
criar um “visual marcante” para cada criatura, conferindo a elas
personalidades fortes e distinguíveis. O mesmo pode ser dito das regras
do mundo no qual a franquia toma palco: em cada novo jogo, cada cidade
reflete um diferente aspecto da cultura japonesa, seja o ritmo sonolento
da pequena Lavender em “Pokémon Red & Blue” ou os prédios,
multidões e música agitada de Castelia, em “Pokémon Black & White”.
Este aspecto concentrado dos traços de cada bicho e localidade não
tornam o jogo agressivo nos detalhes, felizmente. Assim como os enredos
simples escolhidos pela Game Freak, que prefere produzir um RPG de mundo
aberto a uma história intensa, todo o design de “Pokémon” gira em torno
do princípio “simples de jogar, difícil de dominar”. Os elementos
centrais são simples o suficiente para que mesmo o público infantil se
sinta confortável neste distante mundo digital, fazendo com que a
complexidade se esconda onde apenas os bem letrados possam vê-la. A
história, apesar de presente, não se põe no caminho da diversão, e é
comum que jogadores não versados em japonês/inglês passem boa parte do
jogo sem se prestar a leituras complicadas. Para completar, a mecânica
de jogo criada pela Game Freak incentiva desavergonhadamente a interação
com outras pessoas, seja para troca, duelo ou aprendizado, conferindo
um aspecto social que precedeu qualquer “FarmVille” em pelo menos uma
década. Como o Facebook nos prova diariamente, há um público casual que
encontra grande prazer nesses momentos.
Apesar de boa parte das criaturas trazerem visual infantil, há muita variação no design
Um dilúvio silencioso de números e tabelas
Um game com estética e familiaridade amplas, no entanto, não é garantia
de sucesso sem que traga consigo um sistema robusto de jogo. Se o visual
agradável e o boca-a-boca cumprem seu papel de manter o interesse
superficial na franquia, é no sistema de combate que “Pokémon” prova que
merece sua coroa no panteão dos RPGs. Nesta atual geração, cada
criatura é composta de mais de 50 atributos configurados astutamente
pela mistura de uma boa regulação básica, sorte na rolagem dos dados e o
treinamento dado a cada pokémon. Não há no mundo duas criaturas que
repitam os dados, e não há jogador que as escolha e configure do mesmo
jeito. Isso, na prática, significa que cada pessoa terá uma experiência
única no decorrer dos jogos, seja pela dificuldade dos combates pela
frente, experiência com o time escolhido ou métodos viáveis de evoluir
em poder. Apropriadamente, o jogo não faz um estardalhaço sobre este
aspecto, mas até mesmo o mais cínico dos críticos se anima com as
possibilidades de customização que tem.
A simples-porém-profunda mecânica de duelo da franquia combina o melhor
que os games têm a oferecer: por um lado, a simplicidade de escolher uma
criatura, usar seus golpes-padrão e terminar o jogo dá boas vindas a
todo o público casual; a quantidade de locais, pokémons e estratégias,
por outro ângulo, dá aos exploradores natos material quase infinito para
buscarem a melhor aventura; finalmente, a chuva de estatísticas,
tabelas e cálculos rodando no fundo de cada combate dá aos competidores
fervorosos uma ciência complexa de cultivo da criatura mais poderosas, e
os muitos campeonatos e eventos promovidos pela comunidade jogadora dão
pretexto de sobra para que eles se encontrem no campo de batalha.
Ao todo, as 649 criaturas atuais trazem, cada uma, mais complexidade do
que qualquer jogador consegue absorver sozinho: pontos e níveis de
experiência, formas evolutivas (progressivas, regressivas,
alternativas), variações físicas com efeitos em combate, gênero, formas
brilhantes, o infame vírus Pokérus, métodos de captura, personalidade,
poder exclusivo, seleção de golpes, árvores genealógicas, chances de
reprodução, estatísticas de nascimento (IV), habilidades herdadas,
estatísticas de crescimento (EV), alinhamento com o treinador,
felicidade individual, níveis de poder. É um dilúvio de números e
características que pode ser, simultaneamente, o centro da experiência
ou simplesmente ignorado.
O sistema de batalha é bem simples para os casuais, mas esconde uma avalanche de dados
Tudo isso acontece sem transformar a experiência em um gigantesco
concurso de álgebra. O design geral do jogo, em optar por enterrar tudo
isso sob uma grossa camada de fofura, garante que os iniciantes sejam
recebidos sem susto, para depois lentamente descobrir que há mais a
conhecer por baixo da superfície juvenil que vêem. É interessante,
igualmente, que os desenvolvedores tenham tomado o cuidado de distribuir
a progressão ao longo de toda a aventura, ao invés de concentrá-la em
trechos excluídos da trajetória de cada jogo. Isso tem outro efeito
cativante sobre o público: em “Pokémon”, navegação, enredo e evolução
ocorrem todos simultaneamente. Apesar de oferecer mais complexidade do
que cada jogador poderá absorver, a Game Freak faz isso em doses
graduais, em um jogo longo, no qual os incentivos para que o jogador
continue a explorar o sistema são oferecidos continuamente, seja em
termos de desenvolvimento de enredo, registros de encontros e vitórias
ou a simples alegria de conhecer um novo lugar ou criatura. Entre
encontros com rivais, equipes de bandidos, ginásios, lendas de pokémons
raros, a busca pela Pokedex perfeita, histórias variadas e uma grande
quantidade de lugares e coisas para se conhecer, o jogador até esquece
que esta na verdade aprendendo as regras de um complexa sistema de luta.
O jogo é tão vasto quanto é profundo.
As razões para o sucesso
Não é de se estranhar, por tudo isso, que a franquia “Pokémon” tenha
entrado em seu 17º ano com saúde e longevidade garantidas. A criação de
Satoshi Tajiri, aquele adolescente colecionador de insetos dos anos 80,
conseguiu traduzir para os games a alegria que seu criador sentia ao
encontrar criaturas estranhas nos parques e florestas. Que ele tenha
criado uma dinastia sobre a ideia, contudo, é mérito de uma equipe
dedicada de designers, roteiristas, desenvolvedores e programadores que
excederam em muito as expectativas de seus fãs, integrando uma
jogabilidade madura e que respeita a inteligência dos jogadores a um
estilo consagrado de estética. Aos que acreditam, mesmo assim, que
“Pokémon” é uma série infantilizante, fica a pergunta: entre o sistema
minuscioso de jogabilidade criado pela Game Freak e o estilo
esconde-e-atira-e-salve-o-dia que domina 90% da jogabilidade de “Gears
of War”, o que parece mais exigente?
Fonte:PoP